Por Renata Jesus, que vive na Ilha da Madeira, em Portugal, e cuida do financeiro da rede TECERE.
Eu estou vivendo um momento de transição. Eu me mudei há alguns meses para outro país, para um lugar no meio do oceano, um lugar lindo, com vistas impressionantes…Mas, nem tudo são flores, posso confirmar isso na prática, mas também posso dizer que, de todas as pedras que carreguei ou em que tropecei para chegar aqui, neste momento, sim, está valendo a pena. Não é nada fácil, mas, sim, está valendo a pena cada amanhecer, cada entardecer, e tudo eu agradeço a Deus, porque tudo é graça.
Eu trabalhei durante muitos anos no mundo corporativo, na área de finanças, e por muito tempo eu não tinha dúvidas de que amava o meu trabalho. Tinha outras paixões secretas, mas, sim, meu trabalho eu dominava e amava fazer. Porém, nos últimos anos, fui colocada à prova.
Da carreira estável ao turbilhão
Primeiro, veio um divórcio super dolorido. O término de uma relação sempre é dolorido, não importa o motivo, as mudanças não são fáceis. O que fiz foi me agarrar ainda mais à minha família, ao meu trabalho e aos amigos. Alguns, para minha surpresa, se foram junto com o meu casamento. Pois é, descobri que lidar com o problema do outro, além dos seus próprios, não é para todo mundo. Hoje posso dizer que ok, enfim compreendi que a vida é realmente feita de ciclos. Mas, uma hora todo esse turbilhão afetaria o meu trabalho, claro.
Quando eu já estava recuperada desses acontecimentos, me sentindo fortalecida, planejando morar fora no futuro (já havia escolhido o lugar,) veio uma pandemia. Foi um golpe duro, todas as certezas e todos os sonhos sendo guardados forçadamente dentro de um baú, que alguém levou a chave e não disse quando devolveria. Encerrada em casa e me dedicando 200% ao meu trabalho, passei a refletir muito e pude analisar como o ambiente corporativo havia mudado nos últimos 10 ou 15 anos.
Virou algo insano, com metas e mais metas, os profissionais tendo que superar e se superar a cada novo ano, porque as metas dobravam e as cobranças também. Com a pandemia, isso se agravou de tal forma que eu olhava e pensava: não, esse não é o meu mundo, eu não sou assim, eu não quero ser essa pessoa que vive pelo próximo mérito, pela próxima promoção, pelo apartamento maior, pelo último modelo de carro. Não, esses não são meus valores.
Eu via que estava dando horas da minha vida, inclusive minhas horas de lazer e de descanso, em prol de um objetivo que não era meu. E tudo em meio a um monte de gente morrendo por um vírus invisível a olho nu, mas que desnudou todas as nossas fragilidades e medos.
Questionamentos para a virada de chave
Eu disse para mim mesma: chega, não posso continuar assim, se o mundo corporativo é apenas isso, se a área financeira, que eu achava que amava, for apenas isso, não, não é o que eu amo, pois está roubando minha saúde física e mental. Preciso recomeçar, mas como? Por onde?
Então, me agarrei ao sonho antigo de morar fora e decidi que iria trabalhar até o momento que fosse necessário para realizá-lo, mas apenas até esse momento, nenhum minuto a mais. E, em 2021, recebendo um feedback superpositivo, com ótimas promessas para um futuro próximo, eu simplesmente agradeci e fui muito sincera, falei que se continuasse no ritmo em que eu estava, eu iria enlouquecer. Eu abri minha alma, coloquei meus valores na mesa e os confrontei com o mundo corporativo. Segui trabalhando – muito, por sinal. Até que, em 2022, fui desligada e dei o start no resgate da minha saúde emocional, em encontrar algo para fazer que me devolvesse o brilho nos olhos, a alegria, o sorriso fácil, a simplicidade de viver.
No meio do ano, uma amiga do mundo corporativo estava fazendo aniversário e fazia muito tempo que não nos falávamos. Decidi felicitá-la e foi a melhor coisa que fiz, pois as felicitações renderam um bate-papo longo, com ela me contando sua história e me oferecendo a oportunidade de voltar a trabalhar no mundo financeiro, mas de modo diferente. Confesso que me deu um misto de medo e alegria, porque eu tinha chegado à conclusão que detestava o que fazia, não era só o modelo, era também a atividade em si. Mas esse trabalho não rolou e segui com meus planos.
Então, no final de 2022, recebi meu visto e me mudei de mala e cuia para Madeira, me joguei de cabeça e todos os meus medos voltaram a me assombrar, mesmo eu tendo planejado tudo.
- Como vou sobreviver?
- Será, realmente, que consigo fazer uma coisa totalmente diferente do que fiz na minha vida profissional inteira?
- Com quase 50 anos, é possível fazer essa mudança? Será que vou aguentar o choque de cultura? Passar férias em um lugar é maravilhoso, mas morar, sem amigos, sem trabalho, sem um lar para chamar de seu… isso é começar do zero.
Tecendo a própria vida com a rede TECERE
Por fim, após as festas de fim de ano, eu precisava encontrar uma rotina, algo que ocupasse meu tempo, e comecei a buscar um curso de culinária, que era um sonho antigo. Foquei na minha saúde, passei a praticar esporte e estava cuidando da parte burocrática da minha documentação para então ver qual caminho seguir.
Eis que recebo uma mensagem daquela amiga que felicitei, novamente me oferecendo uma oportunidade na área financeira, daquele jeito diferente que ela havia comentado que estava trabalhando, em rede, na rede TECERE. Como eu precisava de uma rotina, eu topei, mas, depois que dei o sim, confesso, os meus medos todos voltaram e eu me questionei: Renata, você podia esperar, fazer o que realmente tinha planejado, pra quê voltar pra isso, pra esse trabalho que te rouba a saúde emocional e física?
Porém, foi umas das melhores decisões que tomei em minha vida, porque esse trabalho no financeiro fora de uma corporação, 100% remoto, me fez descobrir que eu estava errada, eu não detestava finanças, na verdade, eu amava. Esse trabalho, junto com este lugar paradisíaco, estão resgatando o meu eu.
Ainda estou engatinhando, ainda me belisco para acreditar que é real, porque posso dizer que não tem preço você ser dona do seu nariz, das suas próprias decisões e das consequências delas. Mesmo que sejam decisões erradas, não tem mais o peso da cobrança surreal que o mundo corporativo estava me impondo. Não tem nada que pague poder caminhar sem destino, mas com segurança.
É bom ter metas, elas não são o problema. O problema é quando elas não fazem sentido, quando elas não encaixam com os seus valores, quando não há troca, quando tudo é pelo objetivo do outro, quando não se tem um olhar para as questões humanas.
Reconexão com propósito
Eu sei que tenho outras pedras no caminho, mas, no momento, não troco o que estou vivenciando – uma vida totalmente simples, de rotinas que parecem bobas, como fazer o café da manhã e sentar para apreciar o nascer do sol – pelo conforto do apartamento que deixei para trás no meu país. A saudade da família dói, a dos bons amigos também, mas eu acho que eu sou uma melhor irmã, melhor tia, melhor cunhada, melhor amiga agora, porque agora estou mais leve, e vivendo um dia de cada vez.
Estou aprendendo a dar a importância devida a cada coisa. Quando estamos abalados emocionalmente, as situações tomam uma proporção que não é real. Sigo em busca de mim, mas com um mar lindo para contemplar, com um nascer do sol esplêndido… Tem o frio, mas até ele eu estou curtindo, porque posso simplesmente colocar um casaco bem fofinho, uma touca de lã (linda, por sinal) e um bom par de tênis e sair para dar uma caminhada na beira da praia, sem rumo, sentindo a brisa bater no rosto e confirmando: você está viva!